segunda-feira, 20 de setembro de 2010

EXEGESE DOS SALMOS 42 E 43



I - INTRODUÇÃO
            O livro de Salmos é uma coleção de 150 poemas dividida em 5 livros, compostos por vários autores, inspirados pelo Espírito Santo para nos revelar essa rica literatura de adoração.
            As datas dos salmos abrangem, pelo menos, nove séculos. Moisés escreveu no 15º século a.C., e alguns dos salmos foram escritos depois da volta do cativeiro (por exemplo, Salmo 147.2), que aconteceu no 6º século a.C.
           A maioria dos Salmos vem da época do reino unido, quando a arca da aliança foi levada a Jerusalém, e o templo foi construído naquela cidade.
            A sua diversidade trás uma riqueza especial à sua qualidade como exemplos de adoração. Abordam toda espécie de experiência humana. Falam de vitórias e alegria; medo e perseguição. Refletem as emoções de homens espirituais gozando comunhão com o Criador, e de pecadores sentindo sua falta. Pedem bênçãos sobre os justos e punição dos ímpios.
            Muitos salmos louvam as qualidades de Deus, como o Salmo 93, que fala em poucos versículos da Soberana Majestade, do Poder, da Fidelidade, da Santidade e da Eternidade do Senhor.
            Outros destacam características específicas de Deus como: sua justiça (96.13; 98.8-9), santidade (99), e sua misericórdia (136), etc.
            A leitura dos salmos nos impressiona com a profunda espiritualidade do louvor. Temos o privilégio, através dos salmos, de ver de perto os corações de homens que realmente exultavam na presença de Deus. Aleluia! Louvai o nome do Senhor; louvai-o, servos do Senhor (Sl 135.1).
            E os Salmos 42 - 43 objetos de estudo que forma uma única unidade literária, dá uma poderosa descrição de um profundo desejo do salmista pela presença do Senhor seu Deus, o Deus de Israel, por estar separado do templo de Deus, lugar de adoração. O salmista deseja voltar não só ao templo, mas também à segurança da presença de vivificante de Deus.

II – TEXTO EM HEBRAICO E TRADUÇÃO

Salmos 42.1-11
א  לַמְנַצֵּחַ, מַשְׂכִּיל לִבְנֵי-קֹרַח.
1 Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus!
ב  כְּאַיָּל, תַּעֲרֹג עַל-אֲפִיקֵי-מָיִם-- כֵּן  נַפְשִׁי תַעֲרֹג אֵלֶיךָ אֱלֹהִים.
2 A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e verei a face de Deus?
ג  צָמְאָה נַפְשִׁי, לֵאלֹהִים--    לְאֵל חָי:
מָתַי אָבוֹא;    וְאֵרָאֶה, פְּנֵי אֱלֹהִים.
3 As minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, porquanto se me diz constantemente:  Onde está o teu Deus?
ד  הָיְתָה-לִּי דִמְעָתִי לֶחֶם, וֹמָם וָלָיְלָה; בֶּאֱמֹר אֵלַי כָּל-הַיּוֹם,    אַיֵּה אֱלֹהֶיךָ.
4 Dentro de mim derramo a minha alma ao lembrar-me de como eu ia com a multidão, guiando-a em procissão à casa de Deus, com brados de júbilo e louvor, uma multidão que festejava.
ה  אֵלֶּה אֶזְכְּרָה,    וְאֶשְׁפְּכָה עָלַי נַפְשִׁי--
כִּי אֶעֱבֹר בַּסָּךְ,    אֶדַּדֵּם עַד-בֵּית אֱלֹהִים:
בְּקוֹל-רִנָּה וְתוֹדָה;    הָמוֹן חוֹגֵג.
5 Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei pela salvação que há na sua presença.
ו  מַה-תִּשְׁתּוֹחֲחִי, נַפְשִׁי--    וַתֶּהֱמִי עָלָי:
הוֹחִלִי לֵאלֹהִים, כִּי-עוֹד אוֹדֶנּוּ--    יְשׁוּעוֹת פָּנָיו.
6 Ó Deus meu, dentro de mim a minha alma está abatida; porquanto me lembrarei de ti desde a terra do Jordão, e desde o Hermom, desde o monte Mizar.
ז  אֱלֹהַי--    עָלַי, נַפְשִׁי תִשְׁתּוֹחָח:
עַל-כֵּן--אֶזְכָּרְךָ, מֵאֶרֶץ יַרְדֵּן;    וְחֶרְמוֹנִים, מֵהַר מִצְעָר.
7 Um abismo chama outro abismo ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado sobre mim.
ח  תְּהוֹם-אֶל-תְּהוֹם קוֹרֵא, לְקוֹל צִנּוֹרֶיךָ; כָּל-מִשְׁבָּרֶיךָ וְגַלֶּיךָ,    עָלַי עָבָרוּ.
8 Contudo, de dia o Senhor ordena a sua bondade, e de noite a sua canção está comigo, uma oração ao Deus da minha vida.
ט  יוֹמָם, יְצַוֶּה יְהוָה חַסְדּוֹ, וּבַלַּיְלָה, שִׁירֹה עִמִּי-- תְּפִלָּה,    לְאֵל חַיָּי.
9 A Deus, a minha rocha, digo:  Por que te esqueceste de mim? Por que ando em pranto por causa da opressão do inimigo?
י  אוֹמְרָה, לְאֵל סַלְעִי--  לָמָה שְׁכַחְתָּנִי: לָמָּה-קֹדֵר אֵלֵךְ--    בְּלַחַץ אוֹיֵב.
10 Como com ferida mortal nos meus ossos me afrontam os meus adversários, dizendo-me continuamente:  Onde está o teu Deus?
יא  בְּרֶצַח, בְּעַצְמוֹתַי--    חֵרְפוּנִי צוֹרְרָי; בְּאָמְרָם אֵלַי כָּל-הַיּוֹם,    אַיֵּה אֱלֹהֶיךָ.
11 Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele que é o meu socorro, e o meu Deus.
יב  מַה-תִּשְׁתּוֹחֲחִי, נַפְשִׁי-- וּמַה-תֶּהֱמִי עָלָי: הוֹחִילִי לֵאלֹהִים, כִּי-עוֹד אוֹדֶנּוּ-- יְשׁוּעֹת פָּנַי, וֵאלֹהָי. 


Salmos 43.1-5
א  שָׁפְטֵנִי אֱלֹהִים, וְרִיבָה רִיבִי--    מִגּוֹי לֹא-חָסִיד;
מֵאִישׁ מִרְמָה וְעַוְלָה    תְפַלְּטֵנִי.
1 Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa contra uma nação ímpia; livra-me do homem fraudulento e iníquo.
ב  כִּי-אַתָּה, אֱלֹהֵי מָעוּזִּי--    לָמָה זְנַחְתָּנִי:
לָמָּה-קֹדֵר אֶתְהַלֵּךְ,    בְּלַחַץ אוֹיֵב.
2 Pois tu és o Deus da minha fortaleza; por que me rejeitaste? por que ando em pranto por causa da opressão do inimigo?
ג  שְׁלַח-אוֹרְךָ וַאֲמִתְּךָ,    הֵמָּה יַנְחוּנִי;
יְבִיאוּנִי אֶל-הַר-קָדְשְׁךָ,    וְאֶל-מִשְׁכְּנוֹתֶיךָ.
3 Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem; levem-me elas ao teu santo monte, e à tua habitação.
ד  וְאָבוֹאָה, אֶל-מִזְבַּח אֱלֹהִים--    אֶל-אֵל, שִׂמְחַת גִּילִי:
וְאוֹדְךָ בְכִנּוֹר--    אֱלֹהִים אֱלֹהָי.
4 Então irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria; e ao som da harpa te louvarei, ó Deus, Deus meu.
ה  מַה-תִּשְׁתּוֹחֲחִי, נַפְשִׁי--    וּמַה-תֶּהֱמִי עָלָי:
הוֹחִילִי לֵאלֹהִים, כִּי-עוֹד אוֹדֶנּוּ--    יְשׁוּעֹת פָּנַי, וֵאלֹהָי.
5 Por que estás abatida, ó minha alma? e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele que é o meu socorro, e o meu Deus.





III - CONTEXTO DO LIVRO DE SALMOS
            O título hebraico significa “livro dos louvores”. O título adotado pela LXX não é muito apropriado, pois a palavra “Psalmoi” (salmos) é a tradução da palavra hebraica “Mizmor”. O Codex Alexandrinus da LXX nomeia este livro de “Psalterion”. A Vulgata adotou o seu título apenas transliterando da LXX.[1]
            Geralmente através do título “lamedh auctoris[2] pode-se identificar o autor. A preposição hebraica “lamedh auctoris” significar: escrito por; pertencente à; ligado com; dedicado à; a respeito de.
            Sabe-se que Davi foi talentoso músico, e também era poeta (2 Sm 1.19-27). Homem de profunda sensibilidade e riqueza de imaginação. “A riqueza da sua imaginação está patente na propriedade dos termos e nas freqüentes figuras que emprega”.[3] Era um homem capacitado pelo Espírito de Deus (1 Sm 16.13). Algumas passagens do Antigo Testamento indicam Davi compondo cânticos para o santuário (1 Cr 6.31; 16.7; 25.1; Ed 3.10; Ne 12.24, 36.45-46; Am 6.5). Mas é importante lembrar que Davi não escreveu todos os salmos, vários autores o compuseram inspirados pelo Espírito Santo.
            Este livro é uma coletânea. Atribuí-se 1 salmo a Moisés; a Davi 73; Salomão 2; Asafe 12; aos Filhos de Coré 12; Hemã, o ezraíta 1 salmo, Etã, o ezraíta 1 salmo; e 48 salmos anônimos. Os tradutores da Septuaginta sugerem a seguinte autoria: atribuí-se 15 salmos a Ezequias; 1 a Jeremias; 1 a Ageu; 1 a Zacaria; 1 a Esdras. [4]
            O título indica a natureza literária de cada Salmo. 57 são chamados de “Mizmor” referem-se à música que deve ser cantada, acompanhada de instrumentos de cordas. “Shir” cântico de qualquer qualidade ou espécie ocorre 30 vezes. “Mashkil” um cântico de especial qualidade, ocorre em 13 salmos, podendo significar vários tipos de cânticos: meditativos, didáticos. “Miktam” salmo com idéia de lamentação pessoal; “Shiggayon” ocorre uma vez (7). “Tephillah” significa “oração”; “Tehillah” “louvor” (145). [5]
            O título também pode indicar a direção musical. A palavra “Lamnatseach” vem ao titulo de 55 salmos. A Vulgata traduz “in finem”, e a Versão Almeida “para o cantor mor” (IBB), e “ao mestre de canto” (SBB). “Neginoth” aparece em 6 títulos, sempre combinado com “Lamnatseach”. O termo significa “instrumentos de cordas”. Quatro dos títulos em que aparece, vem associado ao termo “Mizmor”. [6]
            ‘Al hashsheminith ocorre duas vezes, nos Sl 6 e 12, significa “sobre a oitava”. ‘Al ‘alamoth se encontra no título do Sl 46, significa “instrumentos de cordas”. “Gittith” aparece em três títulos, podendo significar “canção de vindima”. “Nehiloth” só ocorre no Sl 5, é traduzido pela SBB “para flautas”. “Mahalath” literalmente significa “doença, aflição”, possivelmente, indicava um salmo fúnebre. No título do Sl 88 aparece como “Mahalath Leannnoth”, que a SBB traduz “para ser cantado com cítara”. [7]
            Selah” esta palavra não aparece nos títulos, mas no fim de algumas seções (Sl 46.7). É uma indicação musical, não para ser lida, mas significando uma pausa no cântico, para um interlúdio instrumental, ou, uma elevação de som (forte). Esta palavra chama a atenção por ocorrer 71 vezes no Livro I, 30 vezes no Livro II, 20 no Livro III, e 4 vezes no Livro V. [8]
            O modo como podemos classificar os salmos é diverso. Nenhuma classificação é perfeita, mas todas são úteis e necessárias para entendermos os temas e ênfases dos salmos.
            Hermann Gunkel foi o pioneiro a elaborar um esquema de classificação que divide o livro em cinco principais categorias, a partir do seu lugar vivencial (Sitz im Leben)[9]. Roland K. Harrison propõe a possibilidade duma classificação a partir da experiência religiosa[10]. Arnold B. Rhodes[11] realiza uma classificação mais detalhada dos salmos.
            Quanto ao propósito Teológico de Salmos, ao cantar, o povo aprendia e refletia sobre quem Deus é, ou seja, meditava-se nos Atributos Divinos. Aprendiam acerca da Aliança da graça, sobre o perdão dos pecados, a justiça, o proceder do justo na santificação, acerca do Messias, a vida futura, etc.
            Aage Bentzen[12] declara que os Salmos:

Foi criado a fim de conter a expressão autoritativa da religião de Israel, da mesma forma que a Lei, os Profetas e a literatura sapiencial, que foram colecionados com o mesmo escopo”. [13]

            Os salmos fazem parte da história de Israel, como também narram acerca desta história (Sl 78, 105, 106, 135 e 136).
            É um modelo para a prática devocional dos filhos de Deus. Um completo livro de louvor e oração, que ensina o crente a dirigir-se a Deus, como Ele mesmo requer. Os crentes de todas as épocas e lugares percebem a unidade do povo de Deus, por possuírem os mesmos anseios, temores, tristezas, sofrimentos, dúvidas, e por poderem esperar em Deus com esperança e confiança o cuidado providencial do Deus da Aliança.
            A estrutura do Livro de Salmos é dividido em 5 livros, que correspondem aos 5 livros da Lei: Primeiro Livro 1-41; Segundo Livro 42-72; Terceiro Livro 73-89; Quarto Livro 90-106; Quinto Livro 107-150.[14]
            Esta divisão não segue uma ordem cronológica. Está dividida por classificação literária.
            Há certos grupos que seguem arranjos naturais: Uma seqüência de 15 salmos intitulados “cântico dos degraus” ou “cânticos da ascensão” (120-134). A versão ARA traduz o título como “cântico de romagem”, o que é uma tradução ruim da expressão hebraica original. A palavra “romagem” no português significa “peregrinação à Roma”, uma alusão à prática idólatra da Igreja Católica Romana. O título hebraico é uma referência à peregrinação dos israelitas em suas idas anuais à cidade de Jerusalém, que ficava sobre o monte Sião (“cântico da ascensão”), quando chegavam e esperavam nas escadarias da porta do Templo. [15]
            Para interpretação dos Salmos certos princípios devem ser adotados:

            a) Se o título dá a situação histórica, deve ser considerado. Se não, há pouca chance de recriar o contexto;
            b) Tentar classificar o salmo segundo as formas já existentes, mas não forçá-lo a se enquadrar numa forma;
            c) Identificar as figuras de linguagem, tipos de paralelismo, e explicar o significado.
            É fácil perceber o absurdo de uma interpretação literal aplicado na poesia. Clyde [16] declara que:

Interpretar as passagens poéticas do Velho Testamento de qualquer outra forma além da exaltação como se apresentam, é ignorar o método divino que acolhe poetas acima de todos os outros, a fim de acenar aos homens do passado e do futuro”. [17]

            21 Salmos referem-se à história de Israel (do êxodo ao retorno do exílio). Os Salmos apresentam o Messias de maneira semelhante aos evangelistas: a) Mateus como Rei (2; 18; 20; 21; 24; 47; 110; 132); b) Marcos como Servo (17; 22; 23; 40; 41; 69; 109); c) Lucas como Filho do Homem (8; 16; 40); d) João como Filho de Deus (19; 102; 118). [18]

IV - DELIMITAÇÃO DA PERÍCOPE
            A Delimitação da Perícope faz-se necessária, pois pressupomos que toda passagem bíblica tem uma unidade literária. E esta pode ser determinada na base de forma sintática e estilística.
            A delimitação dos Salmos 42.1–43.5 como unidades independentes são determinadas pela forma literária desses dois salmos, sugerindo uma única composição.
            Em qualquer estudo dos Salmos 42 e 43, a questão dos motivos que levaram os organizadores a separá-los é uma análise necessária, porém pouco provável de explicá-los, porém faz-se necessário argumentar sobre a unidade literária dessa composição:

·                    O Salmo 43, ao contrário do Salmo 42, não possui cabeçalho, mas segue a mesma seqüência temática do Salmo 42. Por isso, é bastante forte a opinião dos principais exegetas de que, originalmente, os Salmos 42 e 43 formavam uma única oração.
·                    Os dois salmos se apresentam na mesma forma literária, bem como com o mesmo refrão (v. 42.5,11 e 43.5). Estes estão localizados no final de cada manifestação do salmista, acerca de sua situação pessoal e da possibilidade de celebrar no Templo, em Jerusalém: primeira estrofe (42.1-5), segunda estrofe (42.6-11) e terceira estrofe (43.1-5). Justifica-se, assim, o argumento de que, originalmente, estes dois salmos formavam uma unidade literária.
·                    A presença de elementos literários do gênero lamentação individual, nestes dois salmos, fornece boas pistas para uma classificação. Observamos os elementos de queixa nos Salmos 42.3,7 e 43.1-2. Da mesma forma, percebemos uma declaração de fé em 42.8 e 43.2a. Outros elementos, próprios de uma lamentação, são encontrados também: apelos por ajuda (43.1-3) e o voto (43.4). Diante disso, a situação vivencial do compositor poderia ser explicada com certa facilidade. Todavia, a sua situação de vida não pode ser esclarecida de modo conclusivo; a despeito de esses dois salmos possuírem a mesma marca de uma lamentação no Templo.
·                    Analisando as indicações de lamentação, como um todo, parece que esse conjunto literário foi usado para outra finalidade. Para substanciar este argumento, basta observar que a queixa do autor não está relacionada, primariamente, à violência de inimigos ou qualquer tipo de enfermidade, a despeito das referências em 42.9 e 43.2. A queixa do salmista, comparada à dos salmos de lamentação pura (cf. Sl 11), é leve. Parece que há um objetivo maior no coração do compositor.
·                    Os três refrões marcam o fim de cada estrofe desta composição (42.5,11; 43.5). Eles constituem-se no melhor argumento em favor de uma composição única para os Salmos 42 – 43. Ao mesmo tempo, eles justificam a opinião que essa composição estava ligada à adoração no Templo. [19]

            O conteúdo do refrão segue a linha temática dos Salmos 42 – 43.

Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele que é o meu socorro, e o meu Deus.” (42.5,11 e 43.5). [20]

            O salmista mostra sua nefex (vida) desintegrada. A expressão verbal tixetoñañi (estar desesperado, abatido) pode estar ligada tanto à raiz xañañ (inclinar-se, estar abatido), como à raiz xiñ (desfalecer-se, mostrar-se desesperado), todas as ocorrências no hitpael. Na verdade, o salmista se revela abatido, humilhado. O sentido deste verbo fica mais claro quando o comparamos a hamah: gemer, inquietar-se (v. 42.5a,11a; 43.5a). Assim, o autor mostra-se duplamente abatido: humilhado e desesperado, a ponto de expressar gemidos, como em um momento de luto (cf. S1 35.13; 38.6-7). [21]
            A partícula hebraica ki (eis que) chama a atenção para um pronunciamento salvífico. A expressão yexu‘ot fanai (salvações de minhas faces) contrasta com a situação negativa vivida pelo salmista. A primeira parte do refrão (42.5a,11a e 43.5a) mostra o autor destituído de suas forças e desintegrado em seu ser; porém, na segunda parte do refrão, Deus é apresentado como o salvador que levanta o seu rosto caído em terra (cf. Is 29.4).[22]
            Assim pode-se afirmar que os Salmos 42 e 43 formam uma única unidade literária.


V - GÊNERO LITERÁRIO
            Para Gerstenberger[23], a primeira parte desta composição (v. 1-5), é uma lamentação. Embora não seja possível, encontrar a terminologia completa de uma lamentação, a não ser alguns conteúdos em 42.3,4,9,10, e 43.1-2.
            Analisando estes salmos, eles não guardam todos os elementos que caracterizam uma lamentação pura, como encontramos nos Salmos 22, 53 e 54, entre muitos outros. Basta perceber que os inimigos, aparentemente, não lhe causam tanta dor e opressão como em outros salmos desse gênero, cujos autores, pressionados por tanta agressão, chegam a praguejar seus inimigos (Sl 12.4; 54.7). [24]
            No versículo 1 há uma comparação que pode não ser evidente a todos: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!”. [25]
            Na Palestina, em certos lugares desertos, a água era encanada de uma grande distância em manilhas de barro. A corsa percebe que a água está correndo dentro do encanamento e, sedenta, corre ao longo das manilhas, suspirando pela água refrescante. Com o mesmo desejo o salmista anela de Deus. Estes dois Salmos (42 e 43) vão juntos e ficam relacionados pela oração “Espera em Deus, porque ainda lhe darei graças, a Ele que é a salvação do meu rosto e Deus meu”, repetida em 42.5,11; 43.5. (42.11 deve ser corrigido para concordar com o versículo 5, segundo as versões dos LXX, Siríaca e Vulgata).[26]
            Este desejo de Deus, que a alma tem desejo de conhecê-lo mais intimamente, tem sido o anelo do salmista, expressa nesses dois Salmos. Passando por vários estados de ânimo, uma vez elevado, outra vez abatido. Mas sempre seu pensamento e sua oração se voltam para Deus, que é a sua fortaleza e toda a sua esperança. Seu ânimo oscila entre lágrimas e louvores, entre perturbações e esperança, entre os abismos e o altar de Deus. [27]
            Mas, contudo não chega a ser uma lamentação. E sim exprime um desejo intenso, ardente do salmista em conhecer a Deus no mais profundo do seu ser.
            Estes dois Salmos é uma profunda adoração, pelo desejo de um dia voltar ao Templo do Senhor Deus de Israel, que está em Jerusalém, e lá ver sua face. Comparando seu desejo por estar no Templo com o desejo da corsa tem sede de água. Esta comparação expressa que a sua nefex (vida, garganta) tem sede (ßama’) de Deus. [28]
            Trata-se de uma figura de linguagem; pois, a corsa vive nos semidesertos e carece de água para sua sobrevivência; assim a palavra “nefex” conduz também o significado de goela e garganta, partes do corpo humano, que também necessita de água para a preservação da vida humana. [29]

VI - DESENVOLVIMENTO

6.1 – COMENTÁRIO DO SALMO 42
            Em primeiro lugar, é preciso ler e analisar o cabeçalho do Salmo 42. “Ao mestre do cor. De Maskil, dos filhos de Coré”. O Salmo 43 não possui um cabeçalho, supostamente, porque, em sua origem, ele formava um conjunto literário com o Salmo 42.
            O cabeçalho não necessariamente está relacionado à composição do salmo. Na verdade, ele contém indicações relacionadas ao seu uso prático, nas celebrações; e são amplamente consideradas anotações tardias, feitas pelo pessoal encarregado das celebrações do culto. É importante observar que elas foram redigidas antes da primeira edição da Septuaginta (século III a.C.); por exemplo, a expressão lamenaßeh, que ocorre 55 vezes nos cabeçalhos de salmos, tem sua raiz verbal nßh. [30]
            Não há uma explicação plausível para o seu significado, porém é possível levantar duas possibilidades a partir da História do Cronista:
            1º - Em Ed 3.8; 1Cr 23.4, e 2Cr 2.1, a raiz verbal nßh possui o significado de sobrepujar, sobressair, distinguir-se, dirigir, estar à frente, liderar. Assim, o significado pode ser “diretor de música” ou “mestre do coral”.
            2º - O texto de 1Cr 15.21 pode nos levar à segunda possibilidade. Aqui, nßh, provavelmente, significa “fazer música”. [31]

            Em vista disso, Hans-Joachim Kraus[32] sugere que a expressão lamenaßeh deveria ser traduzida por “para o desempenho musical”. Entretanto, como se trata de um Piel particípio, o verbo nßh poderia ser traduzido por “fazer música”.
            Assim, com o prefixo “l” o verbo no particípio forma uma expressão “para o que faz música”, isto é, aquele que dirige a música nas celebrações. [33]
            A segunda palavra desse cabeçalho é a enigmática maskil. Também é uma forma verbal, da língua hebraica, hifil particípio, da raiz “skl” que, basicamente, significa compreender, perceber, ser perspicaz. Como substantivo, “maskil” significa uma canção de sabedoria ou ensinamento (cf. Sl 74), mas nada disso pode ser afirmado de modo conclusivo. [34]
            A seguir, vem a expressão “libeney-qorah” (para os filhos de Coré) que ocorre nos cabeçalhos de onze salmos. Provavelmente, essa era uma família de cantores levitas que serviam ao culto celebrado fora de Jerusalém. A suspeita de que a família Coré vivia fora de Jerusalém está baseada nos hinos pertencentes a essa coleção que mostram uma profunda emoção causada pelas visitas ao Templo durante as festas anuais (cf. Sl 42 – 43; 48; 84).[35]
            É necessário dizer que, provavelmente, os cabeçalhos dos salmos representam a opinião de escribas ligados ao culto, posteriores à composição, nos dias do Cronista (século IV a.C). Todavia, as informações, na sua maioria, continuam indecifráveis.

6.1.1 – O Desejo do Salmista.
Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e verei a face de Deus?[36]
            Nesses primeiros versos, o salmista mostra-se emocionado com a possibilidade de visitar o lugar onde habita Deus. Para tanto, ele compara seu anseio por adentrar o recinto sagrado com o desejo da corsa que vive nos semidesertos de Israel. Aqui, ele expressa que sua nefex (vida, garganta) tem sede (ßama’) de Deus. [37]
            Trata-se de uma bela e significativa figura e linguagem, já que “nefex” conduz também o significado de goela e garganta, carece de água para a preservação da vida. [38]
            É interessante perceber que o salmista empregou a palavra hebraica “nefex” com dois sentidos para torná-la mais significativa e abrangente:
            1º - Como o órgão que expressa o desejo e a aspiração e;
            2º - Como aquele que abriga o sentido do gosto e do prazer.
            Assim, o salmista supervalorizou o prazer de bo’ (entrar) solenemente para ver Deus no Templo, em Jerusalém. Vale a pena destacar que o autor não pertencia à tradição que negava a possibilidade de ver Deus (cf. Ex 33.20), mas estava afinado com o pensamento do profeta Isaías (Is 6.1). [39]
            Depois de descrever toda a sua ansiedade por adentrar o Templo, o salmista faz sua primeira queixa contra os inimigos (v. 3) e estimula a sua ansiedade, trazendo à memória as peregrinações anteriores à Casa de Deus.
As minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, porquanto se me diz constantemente:  Onde está o teu Deus? Dentro de mim derramo a minha alma ao lembrar-me de como eu ia com a multidão. Fui com eles à casa de Deus, com brados de júbilo e louvor, uma multidão que festejava[40]
            Os versos 3-4 expõem e estendem, ainda mais, o drama do salmista, pela necessidade de entrar solenemente no Templo para celebrar o “Deus vivo”. O verso 3b fornece o segundo motivo do autor, por sua urgente ansiedade pelo Templo.
            O tom provocativo da questão levantada por pessoas que ele define como inimigos (42.10; 43.1) – ’ayeh ’eloheik (onde está teu Deus?) – se junta ao seu desejo de voltar à casa de Deus para justificar ainda mais a urgência de sua viagem para participar da próxima celebração, estipulada pelo calendário de festa (cf. Ex 23.14,17; 34.23; Dt 16.16).[41]

6.1.2 – O Sofrimento do Salmista.
            Na abertura desse conjunto, a atenção do salmista está voltada para a sua visita ao Templo, em Jerusalém. Nesta primeira parte (42.1-5), o sofrimento que o salmista sente vem em decorrência da ausência de Deus. [42]
            Aliás, essa “ausência de Deus”, alegada pelo salmista (42.3), está em função de sua posição teológica. O salmista faz parte de uma tradição teológica que afirma que Deus mora em Jerusalém, e de lá não sai (Sl 46; 48). Os seguidores dessa tradição sofreram muito, quando exilados na Babilônia (Sl 137). Foi nesse momento que Ezequiel tentou confortá-los, anunciando que Javé, como a águia, voou de Jerusalém para o meio do povo exilado na Babilônia (Ez 17). [43]
            Portanto, as constantes lágrimas dime‘ah (v. 3) estão em função de seu anseio ‘arag pela “presença de Deus”, no Templo (v. 1) onde ele peregrinava com assiduidade (v. 4). As memórias dessas visitas ao Templo estão vivas no salmista: ra’ah (ver) a face de Deus (42.2b); ‘abar (passar) na multidão; dadah (andar) até a casa de Deus em grito de alegria e todah (ação de graças), multidão a festejar (42.4). Os salmos 100.4 e 118.19-20 também relatam a emoção dos peregrinos ao entrar no Templo para a celebração. [44]
            Na segunda parte (42.6-11), o salmista mantém sua oração, agora numa tonalidade de confissão pessoal. Aqui, a expressão-chave para entender a oração do salmista é ‘alay nafexi tixetohah (sobre mim minha vida fez curvar-me) (42.6a). Ela revela que o poder vital do salmista foi desmontado e precisa de uma recuperação que, para ele, se resume na visita ao Templo onde mora o ’el ñayyay (Deus da vida) (42.8b) e o ’el sale‘i (Deus minha rocha) (42.9). Se de um lado está a sua nefex (vida) fragilizada, sedenta de desejo, do outro está Deus, a salvação. [45]
            De novo, o autor faz uso do verbo zakar (lembrar) (42.6,8). O verbo zakar possui um significado todo especial, particularmente nas celebrações. Ao recordar os atos salvíficos de Deus, resgata as forças perdidas. Portanto, a força da vida que lhe tinha escapado, por um momento, agora é retomada pela injeção de ânimo vinda através do ato de trazer à memória a ação de Deus em favor do povo. [46]

6.1.3 - A Lamentação do Salmista.
            É certo que o salmista continua em oração, agora se aproximando mais da tipologia de lamentação.[47] Assim, ele começa com a declaração queixosa de que sua vida está desintegrada (v. 6), mas que ele mantém sua confiança na atuação salvífica de Deus (v. 8).
Ó Deus meu, dentro de mim a minha alma está abatida; porquanto me lembrarei de ti desde a terra do Jordão, e desde o Hermom, desde o monte Mizar. Um abismo chama outro abismo ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado sobre mim. Contudo, de dia o Senhor ordena a sua bondade, e de noite a sua canção está comigo, uma oração ao Deus da minha vida?” [48]
            O salmista ao usar o verbo xiñ (mostrar-se dissolvido, sentir-se desintegrado) em sua nefex (vida) pretende afirmar que a sua força vital está se esvaindo. Tudo faz crer que o salmista não sofria de qualquer enfermidade, mas tão-somente do desejo de celebrar no Templo, em Jerusalém. O verso 6b justifica esta interpretação, já que o salmista emprega o verbo zakar (lembrar) no sentido de recordar, à distância, em oração, a partir de uma determinada região montanhosa do norte de Israel, onde estão localizadas as nascentes do Jordão. Daí, as referências ao barulho das águas que descem das encostas daquela região, comparando-as às águas do caos. [49]
            A intenção do salmista é mostrar que ele passa por um momento de grande tribulação. A imagem das pequenas cataratas dos afluentes do Jordão é usada para afirmar sua situação de sofrimento. Não necessariamente o salmista vive nessa região. Apesar de seu desespero, o salmista, como só acontece aos lamentadores que tiveram suas composições preservadas no livro de Salmos, reafirma sua fé na ajuda de Deus (v. 8).
            O verbo que rege o verso 8 é ßawah (ordenar) que tem mißwah (mandamento) como termo derivado, uma das palavras usadas como sinônimo de torah (tora), 22 vezes no Salmo 119. Não se trata de uma ordem que exige do salmista um esforço doloroso, mas uma espécie de instrução definida como ñesed (bondade). Para o salmista, o conceito de vida plena vem de sua relação com a “ordem” de Javé. Por isso, Deus é visto por ele como o ’el ñayyay (Deus da vida) (v. 8b; cf. v. 2a). [50]

A Deus, a minha rocha, digo:  Por que te esqueceste de mim? Por que ando em pranto por causa da opressão do inimigo? Como com ferida mortal nos meus ossos me afrontam os meus adversários, dizendo-me continuamente:  Onde está o teu Deus? [51]

            Segundo Gerstenberger[52] dois versos que seguem (v. 9-10) caracterizam a lamentação do salmista. O modo com que ele inicia sua queixa, afirmando sua fé, tipifica bem esse gênero de poesia.
            Mas ele declarar que Deus está vivo (42.2a) e que Ele é o Deus da vida (42.8b), o salmista afirma metaforicamente que Deus é sua sela‘ (rocha) (42.9a). Aqui, Deus simboliza o lugar seguro, o refúgio para todo o que vive em obediência (cf. Sl 71.3; 31.3). Estas palavras reforçam a idéia de que o queixoso não é um mero murmurador (a raiz deste termo hebraico é lwn, que significa murmurar, rebelar, cf. Ex 16.2; 17.3; Nm 16.1-5). [53]
            O lamento do salmista não tem nada a ver com o “murmúrio”, mas sua queixa “nhh” (queixar) não o isenta de permanecer fiel e confiante na ação de Deus. O teor da lamentação do salmista inicia com duas questões, introduzidas pelo duplo uso da preposição lamah (para que) (v. 11).
            O queixoso não entende o esquecimento de Deus e, conseqüentemente, o seu caminhar sem rumo. Sentir-se esquecido ou abandonado por Deus é um dos mais graves motivos da lamentação do povo israelense (cf. Sl 10.11; 22.1-4; 44.24-25).
            Como resultado desse esquecimento e abandono, ele sente a proximidade da morte. Ele emprega um termo cujo significado é difícil de captar: o substantivo reßah não tem um sentido adequado como matança.
            Provavelmente, aqui, o salmista quis comunicar o seu profundo sofrimento diante do esquecimento divino. Schökel[54] sugere a tradução “rompimento dos ossos” e Kraus[55] propõe “dissolução de morte”.
            Na verdade, o queixoso deixa transparecer que ele está no limite da vida, sentindo, como Jeremias (23.9), a morte chegando a seus ossos. [56]
            Seria o rompimento de suas forças físicas, ou seria a percepção de uma doença mortal? A primeira hipótese fica mais próxima da realidade do salmista.
            Embora Kraus pense que 42.6-11 pertença a um doente final, fica bastante evidente que a queixa não tem sua origem na enfermidade do salmista, mas no goy lo’ ñasid (nação não bondosa), no ’ix miremah we‘awelah “homem fraudulento e perverso” (43.1b).[57]

6.2 - COMENTÁRIO DO SALMO 43.
            Ao contrário do Salmo anterior este não possui cabeçalho, supostamente, como já mencionado anteriormente, porque, em sua origem, ele formava um conjunto literário com o Salmo 42. Assim o salmo começa com o apelo do salmista para a justiça de Deus.
            Segundo Gerstenberger[58], esta última parte da composição (Sl 43.1-5) aproxima-se muito da forma de uma lamentação.
            Pois, há um pedido de ajuda, em razão da pressão de inimigos (v. 1), a afirmação de confiança (v. 2a), a queixa (v. 2b), o apelo (v. 3) e, por fim, um voto (v. 4).
            E na verdade, a tipologia literária desse salmo é similar ao gênero do Salmo de Lamentação. E que para constatar esta afirmação basta observar os elementos literários desta composição.[59]

6.2.1 – A confiança do Salmista.
Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa contra uma nação ímpia; livra-me do homem fraudulento e iníquo. Pois tu és o Deus da minha fortaleza.[60]
            O primeiro momento do Salmo 43 é um apelo por ajuda divina, pois, o salmista deposita sua total confiança no Seu Deus. O apelo é feito através de dois verbos no imperativo: xapat “julgar, defender a causa” e rib “advogar, processar” (43.1a). Este uso paralelo destes dois verbos – xapat e rib – sugere um sentido jurídico. Entretanto, é preciso observar que ambos os verbos não estão voltados para o julgamento processual do salmista. Claramente, os verbos xapat e rib são usados pelo salmista para pedir ajuda e defesa em razão da ameaça da nação sem bondade, do homem fraudulento e perverso (43.1b). Assim, o pedido do salmista é para que Deus o defenda e advogue em favor de sua causa. Este sentido é justificado na declaração de confiança que fecha o seu apelo: tepaleteni “tu pões-me a salvo!” [61]

6.2.2 – A Queixa do Salmista.
            O uso que o salmista faz da partícula “ki” (eis que, atenção) é muito sugestivo. Ele quer chamar a atenção para a sua confiança na ação salvífica de Deus em seu favor. Mas ao mesmo tempo em que o salmista declara a sua fé na intervenção salvífica de Deus, ele o questiona severamente. “Por que me rejeitaste? Por que ando em pranto por causa da opressão do inimigo?” (43.2b). [62]
            Novamente, o duplo uso da preposição lamah (para que) (cf. 42.9) ocorre após uma afirmação de fé.
            O questionamento do salmista não deve ser visto como uma incoerência, mas como uma prática comum entre os duramente oprimidos. Houve um tempo na história do povo bíblico em que as formalidades na oração diminuíram-se, em virtude da iminência da invasão babilônica e o desaparecimento do Templo. O sofrimento das pessoas e a urgente necessidade de ajuda eliminavam as formalidades e diminuíam a distância respeitosa entre o povo e Deus. Nesse mesmo período, o impaciente profeta Habacuc mostra-se irreverente em seu diálogo com Deus (Hb1.2-4,12-17). O sentimento de rejeição e do silêncio de Deus faz parte da história desse período. [63]
            Entretanto, o questionamento não significa desconfiança, mas ele faz parte integrante do conjunto formal de uma lamentação. A lamentação, ao contrário do murmúrio, contém queixa e expressão de fé, juntas, numa mesma seqüência. O pedido que vem a seguir é também uma declaração de confiança.

6.2.3 – O Apelo do Salmista.
Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem; levem-me elas ao teu santo monte, e à tua habitação”. [64]

            O salmista busca sua libertação de uma forma diferente da maioria dos lamentadores (cf. 18.7-9). Mediante o grito do queixoso, Deus ouve e envia sua libertação.
            Apesar das lamentações do salmista, contudo, o conjunto literário não é uma lamentação pura e simples.
            Aqui, o salmista pede que Ele envie a sua ’or (luz) e a sua ’emet (verdade). Luz e verdade, para o autor, são instrumentos – intermediários e servos – de Deus para guiar e proteger o salmista no caminho até o Templo de Jerusalém. O uso das palavras ’or (luz) e ’emet (verdade), em dupla, é singular nas orações do Antigo Testamento.
            Todavia, o uso da palavra luz para iluminar, proteger e guiar os peregrinos na caminhada a Jerusalém, pode estar relacionado ao conceito de Toráh (Lei) na comunidade pós-exílica.

6.2.4 - O Voto do Salmista.
Então irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria; e ao som da harpa te louvarei, ó Deus, Deus meu!” [65]
            O salmista faz um voto ao Senhor, por que sua confiança está depositada no “xapat e “rib, ou seja, no julgamento e defesa de Deus. O seu pedido para que Deus defenda e advogue em favor de sua causa, e o final do versículo “tepaleteni” “tu pões-me a salvo!”, demonstra total confiança em Deus. Por isso com grande alegria irá a Deus e o louvará ao som de harpas. Assim o anseio alegre pela cerimônia da entrada solene no Templo é retomado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Ao analisar estes dois salmos conjuntamente, percebe-se que a oração do salmista segue um pensamento não paradoxal, e sim uma linguagem seqüencial. Formando uma unidade literária perceptível, através de uma linguagem que mostra uma tipologia comum aos dois salmos. O maior exemplo dessa unidade está nos refrões:

Por que estás abatida, ó minha alma? E por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele que é o meu socorro, e o Meu Deus. [66]

            Outros sinais literários estão nítidos nos textos. Por exemplo, o nome de Deus é ’elohim e a expressão “meu Elohim” ocorre quatro vezes (42.6,9; 43.4.5); o uso freqüente do pronome possessivo “meu” ou “minha” (42.2,4-6,9-11; 43.1-2,5); os dois salmos permanecem na primeira pessoa do singular. A unidade teológica atravessa os dois salmos. O anseio pela celebração no Templo de Jerusalém é mantido do princípio ao fim.
            Outro fator é a situação histórica que provocou a reação do salmista; são idênticas nos dois salmos. O autor acha-se desestruturado em sua vida. A insistente questão – “Por que estás abatida, ó minha alma? E por que te perturbas dentro de mim?” (42.5,11; e 43.5) – é um sintoma que sugere uma ausência de esperança na vida do salmista.
            Ele cita algumas pessoas que estão provocando a desintegração de seu ser. Apesar de toda essa violência, ele mostra-se esperançoso na intervenção salvífica de Deus, na sua peregrinação ao Templo. Possui a mesma atitude daqueles envolvido em dificuldades, e procuram insistentemente a mesma e única alternativa: a ação salvífica de Deus.
            É possível reconhecer os “filhos de Coré” como uma família levita de cantores nas celebrações que servia em localidades fronteiriças. Por ocasião das festas anuais, eles peregrinavam a Jerusalém para celebrar no Templo. Daí, o seu extremado anseio pela entrada no Templo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994.
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RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
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SCHÖKEL, Luís Alonso & CARNITI, Cecília. Salmos 1. São Paulo: Paulus, 1996 [Grande Comentário Bíblico].
STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento.
YOUNG Edward J. Introdução ao Antigo Testamento.
WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 1975.




[1] ROLAND K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1988), pp. 976-977.
[2] FOHRER, E. Sellin, G. Introdução ao Antigo Testamento, vol.II, p. 410.
[3] YOUNG Edward J. Introdução ao Antigo Testamento, p. 314.
[4] Idem. p. 314.
[5] ROLAND K. Harrison, Introduction to the Old Testament, pp. 980.
[6] ROLAND K. Harrison, Introduction to the Old Testament, pp. 980.
[7] Idem, pp. 980-981.
[8] STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento, p. 166.
[9] ROLAND K. Harrison, Introduction to the Old Testament, p. 991.
[10] Idem. p. 997.
[11] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX, pp.26-27.
[12] BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento, vol. II.
[13] BENTZEN Aage, Introdução ao Antigo Testamento, vol. II, p.192.
[14] STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento, p. 163. (Para uma análise mais detalhada).
[15] Ibidem, pp. 165-166.
[16] CLYDE, Francisco T. Introdução ao Velho Testamento.
[17] Ibidem. p. 214.
[18] STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento.
[19] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX, pp.20-21.
[20] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.5.11; 43.5. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[21] YOUNG Edward J. Introdução ao Antigo Testamento, pp. 315-316.
[22] Ibidem. pp. 315-316.
[23] GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms – Part 1. Vol. XIV (FOTL). Grand Rapids: W.B. Eerdmans Publishing Company, 1988.
[24] STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento.
[25] ALMEIDA, João Ferreira de, Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.1. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[26] MCNAIR, S. E, A Bíblia Explicada. 4ª ed. Rio de Janeiro. CPAD – Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1983. p. 183.
[27] Ibem. p. 183.
[28] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX, p.27.
[29] Ibidem. p. 27.
[30] FOHRER, E. Sellin, G. Introdução ao Antigo Testamento, vol.II, p. 411.
[31] Ibidem. pp. 411-412.
[32] KRAUS, Hans-Joachim. Psalms 1–59. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1988.
[33] Ibidem.
[34] KRAUS, Hans-Joachim. Psalms 1–59. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1988.
[35] Ibidem.
[36] ALMEIDA, João Ferreira de, Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.1-2. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[37] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX, p.27.
[38] Ibidem. p.27.
[39] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX, p.27-28.
[40] ALMEIDA, João Ferreira de, Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.3-4. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[41] SCHÖKEL, Luís Alonso & CARNITI, Cecília. Salmos 1. São Paulo. ed: Paulus, 1996 [Grande Comentário Bíblico].
[42] STANLEY A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento.
[43] SCHÖKEL, Luís Alonso & CARNITI, Cecília. Salmos 1. São Paulo. ed: Paulus, 1996 [Grande Comentário Bíblico].
[44] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
[45] Idem.
[46] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
[47] GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms – Part 1. Vol. XIV (FOTL). Grand Rapids: W.B. Eerdmans Publishing Company, 1988.
[48] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.6-8. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[49] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
[50] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
[51] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.9-10. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[52] GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms – Part 1. Vol. XIV (FOTL). Grand Rapids: W.B. Eerdmans Publishing Company, 1988.
[53] WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 1975.
[54] SCHÖKEL, Luís Alonso & CARNITI, Cecília. Salmos 1. São Paulo: Paulus, 1996 [Grande Comentário Bíblico]..
[55] KRAUS, Hans-Joachim. Psalms 1–59. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1988.
[56] WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 1975.
[57] Ibidem.
[58] GERSTENBERGER, Erhard S. Psalms – Part 1. Vol. XIV (FOTL). Grand Rapids: W.B. Eerdmans Publishing Company, 1988.
[59] Ibidem.
[60] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 43.1-2a. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[61] RHODES, Arnald B. “The Book of Psalms” in Layman’s Bible Commentary (Richmond, John Knox Press, 1960), vol. IX.
[62] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 43.2b. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[63] FOHRER, E. Sellin, G. Introdução ao Antigo Testamento, vol.II, p. 447.
[64] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 43.3. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.
[65] Idem. Salmo 43.4.
[66] ALMEIDA, João Ferreira de. Edição Corrigida e Revisa fiel ao texto original. Sl 42.5,11; 43.5. São Paulo. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 1994. p. 648.

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