domingo, 24 de janeiro de 2010

Teologia do Pacto


TEOLOGIA DO PACTO

A teologia do pacto é o evangelho apresentado no contexto do plano eterno de Deus de comunhão com o Seu povo, e seu desenvolvimento histórico nos pactos das obras e da graça (bem como nos vários estágios progressivos do pacto da graça). Ela explica o significado da morte de Cristo à luz da plenitude do ensino bíblico sobre os pactos divinos, fortalece nosso entendimento da natureza e uso dos sacramentos, e provê a
explicação mais completa possível dos fundamentos de nossa segurança.
Colocado de outra forma, a teologia do pacto é o modo da Bíblia explicar e aprofundar nosso entendimento da: (1) expiação [o significado da morte de Cristo]; (2) segurança [a base de nossa confiança de comunhão com Deus e o desfrutar de Suas promessas]; (3) os sacramentos [sinais e selos das promessas pactuais de Deus – o que eles são e como eles operam]; e (4) a continuidade da história da redenção [o plano unificado de salvação de Deus]. A teologia do pacto é também uma hermenêutica; uma abordagem do entendimento das Escrituras – uma abordagem que tenta explicar biblicamente a unidade da revelação bíblica.
Segundo C.H. Spurgeon “A doutrina do pacto repousa na origem de toda teologia verdadeira. Tem sido dito que aquele que entende bem a distinção entre o pacto das obras e o pacto da graça, é um mestre de teologia. Estou persuadido de que a maioria dos enganos que os homens cometem concernente às doutrinas da Escrituras, é baseada sobre erros fundamentais com respeito ao pacto da lei e da graça. Possa Deus nos conceder agora o poder para instruir, e a vocês a graça de receber a instrução sobre este assunto vital”.
A teologia do pacto flui da vida e obra trinitariana de Deus. O pacto de Deus de comunhão conosco é modelado sobre as relações intra-trinitarianas e é um reflexo delas. A vida compartilhada, a comunhão das pessoas da Santíssima Trindade, que os teólogos chamam de perichoresis ou circumincessio, é o arquétipo da relação pactual graciosa de Deus com os Seus eleitos, com o Seu povo redimido. Os compromissos de Deus no pacto eterno de redenção encontram realização espaço-tempo no pacto da graça.

I. Histórico
A história do Paco de obras é longa e controvertida. Mas é reconhecido que mesmo antes da queda já existia um Pacto de obras. Segundo Agostinho “O primeiro paco, que oi feito com o primeiro Homem, é este: No dia em que dela comerdes, certamene morrerása.” E que a questão dos pacos bíblicos, airma que “muitas coisas são chamadas de pacos de Deus além daqueles dois grandes, o novo e o velho...”
Mesmo sendo reconhecida desde cedo por Teólogos como Agostinho, a doutrina do Pacto de Obras só foi desenvolvida bem mais tarde, pelos reformadores do século XVI. A nomenclatura Pacto de Obras, adotada pela Confissão de Fé de Westminster, não foi consensualmente aceita pelos reformadores e primeiros reformados. Diversas surgiram logo no princípio (por ex., Paco Naural, Paco da Criação, Paco Edêmico).

2. Definição Da Palavra Pacto
A palavra berith aparece cerca de 290 no Antigo Testamento e é, conforme indica W.J. Dumbrell, em seu livro Covenant & Creation, geralmente traduzida por “pacto” ou “aliança”. Há uma grande discussão sobre a etimologia dessa palavra. O estudioso do Antigo Testamento, Dr. Mauro F. Meister indica, em seu artigo Uma Breve Introdução Ao Estudo Do Pacto, as três posições mais defendidas:
1. Berith é derivada do assírio birtu, que significa “laço”, “vínculo”;
2. O substantivo berith tem origem na raiz de barah, que significa “comer”, estando relacionada com a cerimônia que selava um acordo ou relacionamento entre partes;
3. O substantivo berith está ligado à preposição bein, que significa “entre”.
A questão é saber qual é a mais provável das três alternativas acima. Estudiosos do Antigo Testamento como W.J. Dumbrell, Gerard Van Groningen, Mauro F. Meister e O. Palmer Robertson defendem a primeira alternativa que diz que berith é derivada do assírio birtu, significando “laço”, “vínculo”.
O. Palmer Robertson diz que o uso contextual dessa palavra no A.T. confirma a posição dos estudiosos citados acima. Gerard Van Groningen fornece, em seu artigo Covenant(s), exemplos de usos dessa palavra em vários contextos da Escritura, que favorecem a sua posição. Os contextos são:
• Gênesis 26.26-31: Abimeleque e Isaque fizeram um “acordo”, “pacto”, para viverem em paz. Esse “pacto” foi confirmado por um juramento.
• Josué 9.15: Josué e o Gibeonitas se uniram, por um juramento, para viver juntos em paz;
• Reis 5.12: Salomão e Hirão fizeram um “tratado”, “pacto”, para viver em paz conjuntamente;
• Samuel 20.3, 16.-17: Davi e Jônatas se uniram, quando fizeram uma “aliança” de amizade;
• Malaquias 2.14: O casamento é apresentado como uma “aliança”. Duas pessoas se unem, se casam, fazem uma aliança.

É importante ressaltar que em todos os contextos acima, a palavra berith denota a obrigação de uma pessoa para com outra. Por exemplo: a obrigação do homem ser fiel à mulher de sua mocidade em Malaquias 2.14. Isto favorece, em muito, a posição sustentada pelos estudiosos acima.
Esses paralelos mostram, claramente, que a Aliança é um vínculo de amor e vida.
A etimologia de berith, conforme defendida acima, insinua que há mais de uma parte no pacto. Por causa disso, alguns estudiosos defendem que o Pacto é bilateral. De fato, pode-se dizer que o Pacto é bilateral porque ele envolve duas partes. No caso de uma aliança feita entre duas pessoas (Davi e Jônatas), entre nações (Salomão e Hirão), pode-se dizer que as partes são iguais. No caso da aliança feita entre Yahweh e o homem não se pode afirmar que a Aliança é bilateral, porque não há duas partes iguais, propondo os termos de uma aliança. Assim, a Aliança de Yahweh com o homem é unilateral. Gerard Van Groningen expressa esse fato muito bem, ao dizer:
“... Deus iniciou, determinou os elementos, e confirmou a Sua aliança com a humanidade. Esta aliança é unilateral. Embora seja feita com pessoas, elas são recipientes, não contribuintes; não se espera que elas ofereçam elementos à Aliança; elas são chamadas a aceitá-los conforme são oferecidos; a guardá-los conforme requerido, e a receber os resultados que Deus, por juramento, assegura que não serão retidos”.
Tendo estabelecido a raiz mais provável para berith e, portanto, o que está envolvido no seu significado, qual seja, o de “laço”, “vínculo”, “obrigação”, é necessário definir o que berith significa.
Entre os estudiosos acima, dois apresentam uma leve diferença na definição de berith. O. Palmer Robertson a define, em seu livro O Cristo dos Pactos, assim:
“Aliança é um pacto de sangue. Envolve compromissos com conseqüências de vida e morte. No ato de estabelecimento da aliança, as partes se comprometem mutuamente, por meio de um processo formal de derramamento de sangue. Este derramamento de sangue representa a intensidade do comprometimento da aliança. Por meio da aliança elas se ligam para a vida e para a morte”.
A objeção à definição de Robertson de berith é que, nem sempre o elemento “derramamento de sangue” está presente no estabelecimento de uma aliança. Um dos casos é o de Gênesis 1-2, onde Yahweh estabelece a sua aliança com o homem, sem, contudo, derramar sangue.
Por outro lado, Mauro F. Meister define pacto assim:
“Portanto, quando se trata do pacto divino-humano pode-se dizer que o pacto é um vínculo/elo de amor, iniciado e administrado pelo Deus triúno com a sua criação, representada pelos nossos pais”.

3. Pacto e Criação
Segundo Agostinho, um pacto proveniente da parte de Deus para com suas criaturas é sempre fruto da Sua graça (Agostinho), pois essa idéia de pacto sempre implica em Deus se rebaixar ao nível do homem como seu amigo para oferecer-lhe sempre um caminho de felicidade eterna, sendo nisso glorificado. A decisão de uma relação pactual com o homem nasce nos decretos da Divindade, portanto é pura graça. Essa relação pactual entre Deus e o homem para garantir-lhe a vida eterna se faz necessária por causa da grande distância entre os dois. O homem nunca poderia ter um relacionamento mais profundo com Deus se não fosse por meio de um pacto, pois ele não é Deus, nem faz parte da Divindade. Assim sendo, o homem jamais tem relação com Deus de forma direta como Jesus e o Espírito Santo têm, pois o homem é homem e Deus é Deus. Entre a criatura e o Criador existem diferenças que somente podem ser superadas, num relacionamento, através de um pacto.

O PACTO COM ADÃO
Entendemos pelo estudo da revelação bíblica que Deus somente fez dois pactos de vida eterna para a humanidade. O primeiro pacto é chamado pela teologia de Pacto das Obras, pois nele o homem teria que fazer algo para conquistar a vida eterna. Esse pacto é nitidamente percebido nas palavras de Gênesis 2:17. A obra que Adão teria que realizar era apenas obedecer à ordem do Senhor. A palavra MORTE neste texto se refere ao seu sentido mais amplo, por outro lado, pela obediência de Adão, a VIDA seria em seu sentido mais profundo: vida eterna. Sua relação pessoal com Deus era direta. Não havia necessidade de mediador. Adão era seu próprio mediador, pois ele, sem pecado, tinha aptidão exigida pela Lei divina para entrar num relacionamento pactual com Deus.
Duas verdades precisam ser entendidas sobre o Pacto das Obras: primeiro é que era condicional, pois Adão ainda possuía o poder de livre escolha, podendo decidir entre obedecer e desobedecer. As condições do pacto estavam ao seu alcance. Para Adão e toda a sua posteridade o resultado do pacto era incerto, podendo ele cumprir ou não sua parte no pacto; segundo, é que Adão era o representante de toda a raça humana. Sua escolha seria a nossa escolha, seu destino nosso destino, sua vida nossa vida, sua morte nossa morte.
O Pacto das Obras firmado com o homem termina com a trágica desobediência de Adão à Lei de Deus. Por conseqüência, essa mesma Lei o encerra debaixo da morte e da condenação, e com ele toda a sua posteridade, (Gl 3:22). Mas o que nos consola é que a humanidade em sua totalidade não foi abandonada à mercê desta terrível condição de pecado e morte.
As conseqüências imediatas da queda, no pacto das obras, foram: 1) a perda das promessas de vida eterna; 2) o ganho da morte eterna como punição, e 3) a perda da justiça original. Tudo isto redundando num estado de pecado e miséria sobre a natureza humana que impossibilita o homem de entrar num segundo pacto de obras com Deus, pois Ele não suporta o pecado e não faz aliança com pecador. A natureza de Adão e toda a sua posteridade foi mudada, tornando-se corrupta, caindo no desagrado de Deus, e neste estado, com sua natureza caída, Adão se tornou totalmente impossibilitado de cumprir uma segunda vez a Lei de Deus. Se no estado de justiça original havia a incerteza da escolha de Adão, depois da queda só há uma certeza em relação ao homem caído: sua queda constante. Se Deus fizesse um segundo pacto de obras com o homem caído, saberíamos com toda certeza o resultado iminente desse pacto: outra queda. Assim, estaríamos condenados para sempre, sem nenhuma perspectiva de salvação.
Uma das maiores provas do pacto, que podemos encontrar nas páginas do Antigo Testamento, logo após a queda do homem, é a presença do sangue no culto dos santos do Antigo Testamento. Todo derramamento de sangue no culto dos crentes do Velho Testamento nos indica que a salvação não está mais ao alcance do homem através de um pacto de obras, mas que o homem deve olhar para Deus e para o sangue do Cordeiro que foi morto antes da fundação do mundo. Sangue é exatamente o oposto de obras. Sangue indica fé em algo que está fora de nós, pois em pecado, o homem não tem mais justiça em si mesmo. Sangue significa uma cobertura para o nosso pecado, mas uma cobertura que não está em nós. Essa cobertura é providenciada pelo próprio Deus, na justiça de Seu Filho amado. Derramamento de sangue significa derramamento de uma vida em prol de outra vida, o que contrasta fortemente com o pacto das obras. Sangue significa que Deus providenciou a vida de Seu Filho Jesus para ser dada em favor do pecador que já não pode fazer mais nada em prol de si mesmo, (Jo 10:11,15,17,18). Esse pacto é chamado pela teologia de Pacto da Redenção, pois consiste ainda naquele antigo pacto adâmico, agora feito com Jesus para a redenção dos eleitos. Nesse pacto, Jesus é considerado o Segundo Adão, pois Deus ainda continua exigindo os mesmos requisitos da Lei, os quais foram exigidos de Adão, mas com um acréscimo: o castigo pela desobediência de Adão. A dívida contraída pelo pecado de Adão só poderia ser quitada pela condenação eterna do gênero humano. Se isso fosse cumprido, ainda ficava faltando o cumprimento da Lei, pois só o pagamento da dívida não garante o direito à vida eterna, pois a quitação do débito de Adão somente representa o reparo de um dano, e não a conquista de uma recompensa. Para isto, a Lei que recompensa ainda precisa ser cumprida, e não somente satisfeita numa relação penal. Jesus não somente satisfez a Lei no que ela exigia para a quitação da dívida de Adão, mas também cumpriu toda a Lei de Deus por ser ele perfeito. Certamente, se ele apenas sofresse o castigo que estava reservado para nós, conseqüentemente, seríamos colocados de volta na condição natural de Adão antes da queda, para que, ainda num pacto de obras, cumpríssemos a Lei para obtermos a vida eterna. O Pacto da Redenção (entre o Pai e o Filho) não é um pacto condicional, como fora com Adão, quando dependia de sua obediência sendo ele capaz de cair. Jesus sendo aquele que está acima da possibilidade da queda, pois ele é o próprio Deus, garante o cumprimento de sua parte no pacto. Não há outra condição, apenas a certeza da eficácia de Jesus nesse pacto de obras, levando-nos à conclusão de que o pacto entre o Pai e o Filho é incondicional.
O Pacto das Obras feito com Adão, é o mesmo que foi transferido para a responsabilidade de Jesus e que o chamamos de Pacto da Redenção. Para nós, aquele antigo pacto adâmico não é mais um pacto de obras, mas agora em Jesus ele tornou-se o Pacto da Graça, (Ef 2:9-10). No Pacto da Graça todas as bênçãos e recompensas não foram conquistadas pelo homem, tudo nos é concedido de graça. Deus não exige mais nada de nós porque Jesus já cumpriu nossa parte no pacto. O Pacto da Graça consiste naquele novo relacionamento que Deus estabeleceu com o homem por meio de Jesus, no qual, o homem sendo pecador, é sujeito totalmente passivo em relação à sua salvação. Tudo o que diz respeito à salvação do homem só é possível pela mediação de Jesus. Eis a razão porque chamamos de Pacto da Graça, porque nele tudo é de graça, somos apenas herdeiros de uma herança que nos é concedida gratuitamente em Cristo. Assim, todas as bênçãos do pacto da graça nos são dadas como dádiva e não como salário, como se merecêssemos.

Conclusão
As Escrituras ensinam muito claramente que Deus é em si mesmo um Deus pactual. Ele não é um Deus pactual por causa de alguma relação estabelecida com a criatura. A criatura pode participar e provar sua vida de acordo com a medida da criatura, mas não pode enriquecer essa vida. Assim é também com o pacto. Ele é eternamente de Deus. É eternamente perfeito nele. Ele é o Deus pactual em si mesmo. Ele é o Deus do pacto, não de acordo com um decreto ou segundo um acordo ou contrato, mas de acordo com a sua própria natureza e essência divina. Deus é de fato um em essência, mas não é sozinho em si mesmo. Deus conhece e deseja a si mesmo, ama e busca a si mesmo eternamente como o Deus pactual. O pacto é o laço de Deus consigo mesmo. É a vida eterna de luz perfeita. Então a vida do pacto é a própria vida eterna. “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade” (João 17:3, 23). O pacto é a própria essência da religião, o mais alto bem, a melhor coisa que pode ser transmitida ao homem através da graça, a maior bem-aventurança. A idéia do pacto certamente não é de um contrato ou acordo, quer você conceba tal acordo num sentido unilateral ou bilateral. O pacto é a relação da mais íntima comunhão de amizade, na qual Deus reflete sua vida pactual em sua relação com a criatura, dá a essa criatura vida, e faz com que ela prove e reconheça o mais alto bem e a fonte abundante de todo o bem.

REFERÊNCIA BIBÇIOGRÁFICA
GRONINGEN, Gerard Van Covenant(s), manuscrito não publicado, p. 1.
GRONINGEN, Gerard Van Criação e Consumação, São Paulo, Cultura Cristã, V.1.
ROBERSON, O. Palmer Cristo dos Pactos, Campinas, LPC, 1997.

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